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Como falar com as crianças?

Entender as motivações por trás de cada fala com a criança nos ajuda na desafiadora da tarefa de criar uma comunicação amorosa e efetiva



Toda boa comunicação baseia-se no princípio básico de como me expresso perante o outro. Como me coloco fisicamente (postura, gestos e olhar) e verbalmente (tom de voz, volume, ritmo da fala, palavras que escolho) influenciam a forma como o outro recebe o o que quero transmitir. O que falo perde força e relevância se não dou atenção para a maneira como vou me comunicar. Não é por que sei falar uma língua que consigo me expressar adequadamente, fazendo-me entender e criando vínculo com quem me ouve.


Isso vale não apenas para o adulto, mas principalmente para a criança que ainda não consegue separar a forma do conteúdo. Ela não entende que a caixa do presente não é tão importante como o brinquedo contido nele, da mesma forma que não entende que a mãe não está triste com ela porque fala em tom mais sério. Tudo o que recebe vem como um presente, o pacote inteiro lhe interessa: a embalagem, o produto, o embrulho; juntos compõem o todo que lhe é comunicado.


Ao falarmos com as crianças, ensinamos-lhes a habilidade de expressão pela comunicação oral. É fato: não aprendemos a falar se não ouvimos os outros falarem. Porém, não creio que falamos com as crianças com o intuito de ensinar-lhes a falar. Esse ensinamento é resultado da nossa vontade de falar com as crianças.


Podemos ressaltar de três motivações principais da nossa comunicação com as crianças: 1) Para lhe guiar no seu comportamento - com pedidos e instruções; 2) Compartilhar um pouco das verdades que aprendemos sobre a vida - alguns chamam de isso de transmitir informações ou conhecimento, mas eu gostaria de reforçar o termo aprendizado, pois só repassamos aquilo que é verdadeiro para nós e no qual acreditamos de coração por tê-lo vivenciado; 3) Para dar vazão aos nossos sentimentos - sim, podemos nos manifestar de outras formas, mas ouvir o quanto somos amados e importante para alguém é imprescindível para afetividade humana.


Desses três motivos apresentados, aquele que traz maior desafio e inquietação aos pais de crianças pequenas é o primeiro. “Eles não fazem o que peço, parece que não me ouvem”, “não consigo fazer meu filho tomar banho”... São muitos os desafios quando queremos que as crianças saiam da vontade deles e sigam a nossa, mesmo em coisas tão simples e corriqueiras do nosso dia-a-dia.


Obedecer significa submeter-se a vontade de outrem. Mas a vontade das crianças é tão forte, tão persistente que parece quase impossível conseguir conduzí-la. Não desejamos uma obediência cega das nossas crianças, mas tampouco podemos lhes exigir consciência para fazer o que necessário e melhor para elas. Reconhecemos que é importante em vários momentos (principalmente quando a criança é pequena) que a nossa vontade prevaleça, pois só nós podemos ter consciência do que ela realmente precisa. Se estamos conversando sobre esse assunto é porque não queremos dar ordens, brigar, usar da força física ou do grito. Sabemos que não é o melhor caminho e conhecemos outras formas mais humanas e eficazes, que constroem pontes de confiança e segurança para o desenvolvimento da criança. E são esses caminhos que, juntos, queremos trilhar.


O que faz então a conexão para que a criança responda ao que estamos lhes pedindo? Primeiro, a clareza interna do que queremos que aconteça, do que a criança faça, saiba ou entenda.... Precisamos saber realmente a nossa intenção e o sentido que isso tem para nós e para a vida das crianças. Essa clareza precisa viver como uma convicção em nós.

Explicar certamente não é uma delas pois não permite que se incorpore um aprendizado. A criança vive no corpo e durante os primeiros sete anos de sua vida está empenhada em fortalecer e edificá-lo. Trazer informações é despejar dados na criança sem que ela participe ativamente da construção do seu conhecimento. Como a criança pequena sabe e aprende? Pelo corpo. Seu corpo, com todos seus sentidos é a porta para seu conhecimento. Então, elas precisam fazer por sí mesmas, entrar no gesto para sentir a verdade com o corpo.


Outra porta são as imagens, aquelas verdades essenciais que falam direto com nossa alma. Por isso, tudo que é realizado com elas com amor, imaginação e verdade é mais fácil de acompanharem e tornar próprio (apropriar-se tem esse sentido muito especial). Precisamos sempre nos perguntar: estamos apenas informando, mandando ou estamos dando uma oportunidade da criança criar um vínculo com uma verdade que ela imediatamente reconhece e acompanha, simplesmente se deixando guiar?


Muitos pais perguntam qual a mágica que as professoras do jardim fazem. Não sei se mágica é a palavra, mas há uma busca por conectar-se com as verdades da natureza em seus processos pela observação sincera, atenta e sem julgamento. Podemos aprender com a simplicidade e a exuberância da natureza. Sua sabedoria é tão profunda que nos toca. Costumo falar aos meus filhos antes de saírem do banho: “sacode que nem um bode” para tirar o excesso de água. E lá vão eles, da cabeça aos pés se sacudindo... Um dia, estávamos em um sítio e um grande bode se sacudiu todo antes de descer para comer. Eles imediatamente falaram: ”Mãe, olha! Sacode que nem um bode!”. Foi uma alegria!


Na escola às vezes preciso cortar a unha das crianças, pois elas podem se machucar e também os amiguinhos durante a brincadeira. Todos sentam no colo e adoram ouvir: “o jacaré passeando na lagoa vive pensando 'ai meu deus' que vida boa. Abriu a boca, mostrou os dentes, se preparando para comer a unha da gente”. Essa música é uma adaptação. As vezes basta a lembrança de músicas e rimas que tanto gostamos e adaptar. Isso traz alegria e bom humor para todos! Para guardar as grandes cordas de feltro da nossa sala costumamos sentar no chão com eles e enrolar cantando: “um caracol pequenininho vai se enrolando, e de pequeno, grande vai ficando”. Todos se aproximam e se interessam em ajudar. Por que? Temos uma imagem do caracol. Temos a música. Temos um adulto que faz junto mostrando o gesto. Três elementos fundamentais para o aprendizado da criança pequena. Então, falamos da intenção, da imagem verdadeira, da musicalidade e agora vem a postura do adulto.


A criança não sabe o que é ser humano. Nós somos o modelo a ser seguido. Precisamos buscar cada vez mais ser exemplos dignos de imitar.

Para isso, precisamos ter consciência da nossa presença, dos nossos gestos (fazemos com cuidado, com pressa ou com qualidade de atenção) e conectados com o significado do que estamos realizando. Não quer dizer que precisamos ser sérios e preocupados, mas que estamos em busca da nossa autoeducação ao trazer clareza e coerência nas nossas atitudes. Realizar trabalhos diante da criança com esse olhar ajuda-a a se orientar na sua forma de se colocar no mundo.


Porém, nem sempre podemos fazer junto, mas nessas horas nos colocamos ao lado das crianças e estamos presentes. Quando levo as crianças para o banheiro convido: "vamos ouvir o barulho da cachoeira? Escuta!" Ou então, quando não querem tomar água que ofereço, falo “biquinho de passarinho” e eles já abrem a boquinha e mudam a postura em relação ao pedido. Essa atenção e dedicação voltada para a criança em pequenas atitudes traz a qualidade de vínculo e escuta que buscamos em nossas relações.


O que nos cansa é o confronto das vontades. Bater de frente com a criança nos enfraquece pois nos tira do nosso centro, da tranquilidade da nossa sabedoria. A criança é pura energia e disposição, seus choros ou gritos nos incomodam e abalam. Nos confrontos, tanto as crianças quanto os adultos tornam-se indisponíveis para a comunicação. Muitas crianças não queriam comer cenouras.. “Quem come e faz croc croc como o coelho?” Vamos ouvir como a Liandra faz... "E a Joana? Como será que ela faz?"


As possibilidades lúdicas que são tão familiares na Pedagogia Waldorf, mas das quais nos esquecemos muitas vezes, pautam-se na criatividade e na imaginação, mas sobretudo nas nossas vivências. Buscar esse caminho é uma chance para refrescar nossa memória dessa forma de ver e se relacionar com o mundo que tínhamos vivos em nós quando éramos pequenos.


A criatividade é, nesse sentido, um resgate, e precisa ser constantemente praticada para se tornar viva em nós. Se fechamos numa definição, damos fim à rica possibilidade de criar e recriar a cada dia.

Por isso, todo dia é uma nova chance de tentar novamente e deixar que essa sabedoria retorne a nós como força para transformar questões e problemas em poesia. É uma escolha. Posso confrontar a criança ou contornar a situação apresentando uma nova relação com a vida. Uma criança estava brincando fortemente com um dos nossos carrinhos de madeira e fazia um barulho muito alto ao passar na pista. Logo ouviu: “O seu carro precisa ir pro conserto, ele tá muito barulhento!”. Por mais que ela não queira soltar o carro, ela não tem como recusar uma ajuda para o seu carro e o entrega.


São muitos os exemplos e eles florescem com muita força à medida em que exercitamos diariamente viver nas imagens. Quem gosta de rimas tem um grande aliado pois trazem o impulso da musicalidade: "Os brinquedos vão descansar, cada um no seu lugar”. Qualquer melodia que colocamos já ajuda a impulsionar o movimento. Se for seguida de música para continuar, melhor ainda: “Amiguinho, amiguinhos, vamos juntos arrumar. Como abelhas nas colmeias, sempre, sempre a trabalhar. Um lugar pra cada coisa, cada coisa em seu lugar. Amiguinhos amiguinhos, vamos juntos arrumar.” As crianças sentem- se convidadas, vão embaladas e se envolvem no fluxo. É assim que arrrumamos nossa sala todas as manhãs, as professoras fazendo e mostrando às crianças no que ajudar.


Criar músicas, rimas e gestos é maravilhoso e muito divertido. Mas cultivá-los é o que lhes dá raízes, traz forma e vida. Entram na vida da criança pela repetição. E elas se sentem seguras quando todo dia as convidamos para o mesmo processo de se encontrar com essa verdade. Então, todo dia é sempre igual. Assim, elas vivem as imagens dentro delas e são capazes de levá-las consigo vida afora. Quando não estivermos perto delas, pois não estamos sempre por perto, elas poderão fazer por si mesmas e até ensinar para outras pessoas essa verdade que já vive nela pois já foi apropriada.

 
 
 

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