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Criando limites saudáveis para as crianças

Já imaginou que um rio só existe e flui porque têm margens bem claras e estabelecidas? É assim também com a educação infantil.


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O que seria do rio sem as suas margens? Uma correnteza desenfreada que causa devastação por onde passa? Um grande alagamento ou talvez um conjunto de várias poças distribuídas ao longo de um terreno? Uma dispersão de agua que se derrama em diferentes direções perdendo força e paulatinamente vai minguando e sendo absorvida pela terra?


Muitas são as possibilidades. Mas, é certo que deixaria de ser um rio, uma forte correnteza de água, que leva vida e frescor por onde passa e que, inclusive, por muito tempo deu a possibilidade da vida humana se estabelecer e lançar raízes na terra e criar comunidades ao seu redor.


Uma margem delimita e dá contenção a esta força, que do contrário extravasaria sem rumo. As margens são o guia das águas. São referências necessárias para que as aguas sigam seu curso, entregando-se ao fluxo sem saber o que vem pela frente. Os desafios, os obstáculos do caminho estão postos, como que à espreita. Mas, o rio as vence pela força que adquire ao percorrer seu caminho seguro e firme entre suas margens. Os rios de margens mais largas tendem a ser mais calmos e tranquilos, as vezes até parecem estar adormecidos. Já aqueles com margens mais estreitas estão sempre em rápido movimento, serelepes parecem brincar por onde passam sempre com pressa.


O que o rio tem a ver com a criança? O rio é a própria criança, com toda a sua força e vitalidade, com sua grande vontade de ir para o mundo, explorar caminhos, se aventurar por novas paisagens e descobertas.

E as margens? Um lado do rio é a figura da mãe. A outra é a figura do pai. Estes dois são os grandes guias. Mas, pode ser que a família seja configurada de forma diferente, o pai ou a mãe estão ausentes, ou o casal é do mesmo sexo. Não importa, cada criança carrega adultos que lhe são referência como margem para sua ação e crescimento no mundo. Falo de pai e mãe como forças arquetípicas fundamentais e também como figuras tradicionais na constelação familiar. Todo adulto diante de uma criança configura sua margem pois lhe ensina sobre os caminhos da vida e lhe dão contornos ao lhe dizer o que é apropriado e o que não é, ou simplesmente pela sua conduta, mostrar o que precisa ser feito e como se faz.


Sim, o poder do rio está nos seus limites. Limite, ao contrário do que se comumente pensa, não é fraqueza. A firmeza dos contornos contém o impulso da vontade da criança que quer derramar-se e espalhar-se pelo mundo. Mas, se ela o faz em “liberdade”, só atendendo aos ímpetos dessa força potente que carrega em si desde o nascimento, ela se esgota e adoece, além de gerar muitos confrontos nos encontros sociais com outras crianças e adultos. E ela não o faz por mal, ou tampouco tem intenção de arranjar confusão ou caos, mas simplesmente precisa de ajuda para descobrir seus limites.


As fronteiras do eu com o mundo, que arte difícil é essa de estabelecer o próprio espaço, de demarcar seu território, o lugar de si mesmo, do Eu. Sem ajuda dos limites, fica quase impossível fazê-lo. Delimitar é deixar claro os limites, onde começa a si mesmo e o outro.

O bebe nasce uno ao mundo e desconhece a separação. Seus contornos físicos são sutis para ele e ele só os vai conhecendo em contato com o mundo e na interação com os outros. É um processo que acontece devagar e constrói-se aos poucos. Dentro da barriga o limite está bem demarcado e até mesmo um tanto apertado no final...já é hora de expandir horizontes e ir para o mundo fora do útero materno.


Mas o mundo é tão grande e amplo que assusta e traz insegurança, por isso novos contornos precisam ser criados: o colo dos pais, a coberta que o envolve (antigo cueiro), o gorro na cabeça, o berço pequenino... Quando as crianças já aprenderam a andar o desafio é maior. Então, construímos um entorno educativo que envolve a criança dando-lhe contornos firmes e amorosos.


Mas, afinal o que dá a noção de limites ao ser humano? São dois movimentos que parecem contraditórios, mas são, na verdade, complementares:


1) De fora para dentro (do mundo externo para nosso interior)

- Fonte sócio-cultural: Tradição familiar, Desenvolvimento de hábitos, Cultura/ meio social, Crenças/ religião, entre outros...

- Fonte física: Ambiente físico (estações do ano, estrutura da casa ou escola, tipos de brinquedos), constituição física da criança e Saúde


2) De dentro para fora (do mundo mais interno e próprio para o mundo exterior)

- Fonte: Consciência, Eu

Se entendemos que a criança ainda não tem um Eu forte e disponível antes de 21 anos, podemos afirmar que os limites até essa idade advêm do que recebe de fora. O seu entorno a forma e delimita. Sem consciência, não há limite. Por isso, que a loucura desconhece limites, tal qual a criança pequena que não tem discernimento e deve receber os limites de fora para dentro.


Quem define esse entorno? Principalmente os adultos responsáveis pelo seu cuidado. Mas todo e qualquer adulto provido da força de consciência é, diante de uma criança, sua margem- guia. Daí a importância de olharmos com quem as crianças convivem, com quem se encontram e aprendem sobre a arte de viver na Terra.


É o adulto que sabe, que contém em si a “voz da sabedoria” de quem já trilhou um caminho na Terra e adquiriu um aprendizado pela sua experiência. Por mais imperfeita que possa ser essa experiência ela proporcionou a este adulto um legado que o imbui de um poder de conduzir os mais novos: a autoridade. Deixar-se ser conduzido enquanto ainda não tem domínio de si e não sabe dirigir sua própria vida não é uma fraqueza da criança, mas sim é um rico aprendizado sobre o poder humano.


Porque aprender a fortalecer-se em seu poder é aprender a reconhecer seus limites: vivenciar suas habilidades, dificuldades e colocar-se na direção dos desafios para crescer.

Quanto menor a criança, mais precisa de contornos externos que venham da fonte física. Então, se a criança não pode comer bala. Tire as balas do alcance ou então a criança da frente das guloseimas. Se elas não podem subir na mesa, então tire-as repetidamente e fale o que se pode fazer: o José fica no chão, aqui pode brincar. Na nossa sala, não se pode brincar na mesa quando ela está enfeitada com toalha e flores. Do contrário, elas podem brincar com a mesa como quiserem. Muitas mães reclamam de exaustão nessa fase pois demanda da presença e atuação física.


Na medida em que a criança cresce a influência das fontes sócio-culturais aumenta: aqui entram as músicas, brincadeiras... as famosas imagens... porém não podemos nos esquecer que se estes caminhos não funcionam é preciso recorrer ao limite físico. Em geral, quando a criança está muito cansada ou doente, ela pede fronteiras físicas pois não dá conta de acessar o entendimento necessário para responder aos apelos mais elaborados das fontes da cultura humana.


Onde está a liberdade nisso tudo? A liberdade da criança e do adulto é a mesma. É poder fazer o que é bom e verdadeiro sem prejudicar o outro ou a si mesmo. A diferença entre o adulto e a criança é o poder da escolha.

Ao adulto lhe é dado o direito de escolher “sem restrições” e à criança não, ela tem sua gama de opções reduzida, ou melhor limitada. E o fazemos para protege-la dos perigos e das mazelas que ela desconhece e também para poupá-las do esforço de refletir e decidir; atividades humanas que são desafiadoras para nós adultos exigem da criança tremendamente!


Mesmo em coisas simples como escolha da comida ou da roupa que irá vestir. Ela não deve se preocupar com o frio ou com os benefícios nutricionais dos alimentos...deve ocupar-se em entregar-se ao fluxo da alegria dos movimentos, das experiências que seus sentidos estão lhe trazendo, das competências que o seu brincar lhe exige. A necessidade de escolher, na tenra infância traz insegurança e medo pois exigem capacidades de consciência que ainda não estão disponíveis.


Se escolher não é liberdade, tampouco fazer o que se quer o é. O querer da criança pequena é impulsivo, se ora vai na direção da bola, logo em seguida pode ser direcionado ao cavalo. Ou então, está ligado às necessidades básicas e portanto, à sobrevivência. Como é o caso da fome ou sono. A criança parece perder o controle de si quando esses âmbitos estão desregulados. E até nós adultos sabemos como é ficar assim. Só que nós temos um “regulador” ou “limitador” interno que as crianças ainda não têm desenvolvidos. Por isso dizemos que elas não têm noção do que fazem.


Voltaremos a falar do assunto da vontade que é muito vasto e profundo. Gostaria apenas que, por enquanto, tentassem olhar para a vontade das crianças como algo que não provém dos recônditos mais íntimos da alma delas, mas sim de forças que estão mais na superfície e que demandam constantemente de limites para não transbordarem e criarem situações difíceis, desagradáveis e doloridas para elas.


O rio pode fluir intensa e alegremente, sem preocupações ou medos se suas margens lhe derem força e segurança para seguir seu caminho. E para nós adultos, fica o convite para revermos nossas heranças, familiares e culturais; nossos valores e crenças; nossos hábitos e escolhas, uma vez que tudo isso reverbera no fluir do rio. Autoeducação é a matéria-prima do qual nós margens-guias, somos feitos. Ela precisa ser constantemente cuidada para ser solo fértil para nosso jardim florir bonito, vigoroso e colorido.


 
 
 

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