O Brincar como um grande tesouro da infância
- Ecoar da Terra
- 11 de nov. de 2022
- 5 min de leitura
Como nós, adultos, podemos proporcionar as condições para um brincar livre e, por meio da observação da criança brincando, nos conectar com nossa essência?

"Você pode descobrir mais sobre uma pessoa em uma hora de brincadeira do que em
um ano de conversa." Platão
Criança brinca para se iniciar no mundo. Brincar é a forma humana de fazer nossa iniciação na vida na Terra e introduzir-se às diferentes formas de viver e ver o mundo. Por isso, é o grande tesouro da infância.
Que outra forma poderíamos ensinar sobre a vida que pudesse trazer toda conexão, prazer, intimidade, coragem e compreensão profunda que não seja pelo brincar? Brincar é envolver-se com interesse, é, ao mesmo tempo paisagem e instrumento onde tudo acontece para a criança. Ninguém precisa ser ensinado a brincar. Esta força nos é dada como presente. É uma graça! Não precisa ser conquistada, pois naturalmente a criança cresce brincando.
Por isso tudo, é fundamental percebermos: do que a criança brinca? Como ela brinca? Não sabemos a grandiosidade que se revela nessa atividade inerente à infância. É o tema que cresce junto com a alma infantil e reverbera em nossa alma de adulto. Se pararmos para rememorar, podemos despertar essas lembranças que vivem em nós e vivificar o seu conteúdo para que saibamos verdadeiramente, por nós mesmos, o que a criança está experimentando em seu desenvolvimento. Essa sabedoria que carregamos em nós é antiga e resgatá-la é um trabalho de auto-percepção que nos convida a revisitar nossa biografia: onde eu brincava? Do que costumava brincar? Quem estava comigo? O que eu sentia?
Lembrar vivifica nosso entendimento da criança e nos traz luz e força para guiá-la em seu caminho. Observar a criança brincando nos encanta e nos toca, mas para alcançar nossas memórias, principalmente as mais remotas, precisamos entrar na memória corporal, no movimento que nos leva aos sentidos. Acessamos com a nossa sensação e não com o pensar. Brincar com as crianças nos ajuda a entrar em contato com essa vida dentro de nós.
Mas, é no brincar entre os adultos que reconhecemos nossa criança interna juntamente com a criança do outro, que provavelmente é da mesma “faixa etária”. Ao fazermos isso, não entramos no âmbito do saudosismo e sim nas impressões próprias da vida interna que pulsa e pode nos ajudar a organizar propostas e ideias de cuidados e vivências para nossas crianças. Por isso, deixamos o convite para nos aproximarmos das memórias e convidarmos adultos amigos para brincarem juntos. Cada um pode contar a sua brincadeira favorita e então podem escolher do que brincar e deixar fluir a criança que fomos e que não deixamos de ser.
A infância tem a qualidade de transformação e é uma força a qual devemos recorrer em diferentes momentos de nossa vida, aprendizado que tive em curso com Sandra Eckschmidt.
A convivência com a criança é um eterno convite para mergulharmos nesse processo de revisitar e incluir nossas memórias.
As crianças se relacionam com o que é vivo e verdadeiro e valorizam essa força em nós quando conseguimos nos conectar com nossa essência e deixar sua beleza vibrar em nossos atos e palavras. Elas esperam que sejamos capazes de buscar no nosso livro interno a genuinidade e sabedoria para nos impulsionar para a ação no mundo. Essa ação presente e íntegra que ela deseja ver e imitar.
A imitação é um recurso primordial do brincar após o movimento corporal puro. O brincar começa no brincar corporal, principalmente com o próprio corpo: a mãozinha que aparece e some; o pé que vem até a boca e depois desaparece. O bebê praticamente não precisa de brinquedos nessa fase. Seu corpo e o contato com os adultos cuidadores e a família ao redor são seus maiores estímulos.
A partir do momento em que a criança cresce e adquire maior domínio psicomotor, ela vai brincar com o seu entorno. Mas é por meio do seu corpo que ela brinca. Seu corpo é a matéria prima do brincar por definição. E o movimento é impulso primordial para ativar o brincar. Podemos dizer que movimento e brincar são sinônimos para a criança, principalmente para as menores. Quando a criança fica muito parada, geralmente nos preocupamos e percebemos que está adoentada.
Daí a importância de lhes proporcionar condições para explorar melhor esse corpo em um ambiente saudável e protegido. Não quer dizer que não ofereça riscos e desafios, pois dependendo da idade, sentar em cima do escorregador é perigoso. Mas que esse ambiente possa ser pensado com todo cuidado levando em consideração o que a criança precisa para o seu desenvolvimento e o que é adequado para ela. São os envoltórios do espaço do brincar que oferecemos nas escolas Waldorf.
Feche os olhos e lembre-se dos elementos que mais te chamam a atenção no espaço da Casa Amarela: como são? De que materiais são feitos? O que evocam em você?
Falamos do fator ambiental e precisamos agora falar do fator pessoal. Das pessoas que compõem seu entorno social e oferecem para a criança a imagem do que é ser humano, como se desenvolve e do que ele é capaz de fazer com sua força criativa no dia-a-dia. Não se tratam de superpoderes, mas da nossa força de trabalho expressa no cuidado com o lugar onde vivemos e com as coisas que precisamos para viver bem.
A criança imita instintiva e inconscientemente, ao contrário dos adultos que também recorrem a este poderoso recurso de aprendizado, mas de forma voluntária e consciente. Nós adultos escolhemos quem e o que imitar, porque decidimos fazê-lo. A criança o faz sem se dar conta. Ela impulsivamente reage ao seu entorno e, como ainda está aprendendo a se movimentar e desenvolver suas habilidades motoras, segue seu movimento, suas oscilações e seus gestos em pura confiança e entrega.
Agora vamos relembrar nossa história. O que eu buscava experimentar e imitar com mais intensidade na infância? Quem era a minha referência? O que mais me encantava, fazia meus olhos brilharem e o coração palpitar como que dizendo: eu também quero?
Certamente estas forças do brincar se transformam na qualidade do meu trabalho no futuro. Talvez não sejamos capazes de reconhecer de imediato. Mas podemos lembrar de quem estava em nossa volta, o que faziam e como admirávamos e queríamos fazer igual!
A brincadeira vem com força quando responde a uma necessidade da criança. Por isso, ela repete, repete e repete até que fique satisfeita. Mas aquilo que oferecemos para ela imitar tem a ver com a idade dela? O que estamos fazendo diante dela é passível de ser acompanhado, como um processo com início, meio e fim? É algo que possa ser realizado pela criança? Tente ver pelo o que a sua criança se interessa e como é envolvida pelo seu fazer.
Auto-ativação é um dos nomes que damos ao uso da força interior que nos leva ao movimento. É natural que a criança procure brincar com algo que ela precisa desenvolver nela mesmo. Mas, elas precisam de exemplos dignos de serem imitados, nos adultos e nas crianças mais velhas, que também se tornam seus modelos. As pequenas entram na brincadeira dos grandes como café com leite e o fazem pela alegria da imitação, pois não tem maturidade orgânica e não participam com suas capacidades ativas.
Muitas vezes elas entram pelo embalo do movimento, ou então, pelo chamado das músicas que costumam integrar o brincar. A convivência com idades mistas proporciona o cuidado recíproco, o entendimento do que é ser grande e que possibilidades e potencialidades isso traz. O fascínio do pequeno pelo que o espera em seu desenvolvimento e que poderá conquistar ao trilhar seu caminho, pelo seu corpo. Ensino pela convivência, pela observação, pelo respeito com o processo da fase de cada um e pelo tempo próprio de descobrir-se pelo brincar.
Esse é uma outra grande contribuição da Pedagogia Waldorf: deixar as crianças se desenvolverem juntos, uns com os outros, tendo sempre em vista que “aprendemos no físico (corpo) o que é verdadeiro, no etérico (vitalidade) o que é belo e com a vontade o que é bom.” (Rudolf Steiner – GA 220)




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